O que nos define, além do que esperam de nós.

O que nos define, além do que esperam de nós
 

Tem dias em que tudo parece demais. A lista de afazeres se mistura com o barulho da mente, a louça não lavada com os sentimentos mal resolvidos, a pressa da manhã com a vontade silenciosa de sumir por uns minutos — não para fugir, mas para se ouvir. Porque no meio dessa rotina puxada, a gente vai se perdendo de si sem nem perceber. Vai trocando o que é essencial por aquilo que é urgente, como se só coubéssemos no que sobra.

E ainda assim seguimos. Seguimos porque a vida não espera. Porque os filhos chamam, o trabalho exige, a casa grita. Seguimos porque é isso que aprendemos: a dar conta. Mas tem uma hora em que a conta não fecha. E é aí que a pergunta aparece: o que nos define, de verdade? Não é o que fazemos, nem o quanto suportamos. Não é o quanto somos admiradas, produtivas, prestativas. O que nos define é o que escolhemos preservar dentro da gente quando tudo está por um fio. É a maneira como decidimos amar, mesmo quando o mundo parece áspero. É a coragem de continuar sensível num tempo que insiste em nos endurecer.

 

Ser mulher não é viver para os outros. É se lembrar, todos os dias, de que existe vida aqui dentro também. Que a gente não precisa estar sempre bonita, disponível, alinhada. Que podemos estar cansadas e ainda assim ser bonitas. Que podemos dizer não e ainda assim ser generosas. Que podemos não querer nada grandioso hoje, só silêncio e chá, e isso ser revolucionário. Porque o feminino verdadeiro não está na performance — está na presença. Está na forma como habitamos nosso corpo, nossa casa, nossa fé. Está no cuidado que damos às pequenas coisas, não por obrigação, mas por afeto. Está na oração feita baixinho, entre uma tarefa e outra. No batom passado mesmo sem sair. No bilhete deixado na lancheira do filho. No jeito como reorganizamos o mundo à nossa volta para não deixar ninguém (nem nós mesmas) cair.

 

Essas coisas de mulher não cabem em rótulo. São intensas, suaves, exaustivas e cheias de sentido ao mesmo tempo. São feitas de história, de memória, de renúncias e reconquistas. São feitas de instantes que ninguém vê, mas que sustentam tudo. E mesmo quando nos sentimos invisíveis, há um brilho que não se apaga — aquele que vem da alma que sabe quem é, mesmo quando tudo fora parece dizer o contrário. Não é sobre dar conta. É sobre continuar sendo, mesmo quando não sobra muito. Mesmo quando só resta fé e um último fio de esperança. Porque ser mulher, no fim das contas, é isso: encontrar sentido mesmo nos dias em que tudo parece sem sentido.

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.